* Limite sul da distribuição da anaconda verde

GRANDES SERPENTES NO PARAGUAY: LIMITE SUL DA DISTRIBUIÇÃO DA ANACONDA VERDE

* Southern limit of the distribution of the green anaconda

* Límite sur de la distribución de la anaconda verde

No Paraguay, um país localizado no centro da América do Sul, há três espécies de grandes serpentes constritoras: a jibóia arco-íris ("Epicrates cenchria", chamada salamanta no Brasil), a jibóia-constritora (nome científico "Boa constrictor", conhecido na Argentina como boa lampalagua e no Brasil simplesmente como jibóia), e a anaconda amarela ("Eunectes notaeus", também conhecida como anaconda do Sul). Em lingua guarani, tanto a jibóia-constritora quanto a anaconda amarela são chamadas de kuriju.

Uma fonte de referência sobre esses dois tipos de kurijús é o Volume 1 de "Amphibians and reptiles of the Paraguayan Chaco" por David R. Norman, com fotografias de Lawrence Naylor (auto-publicação do seu autor, San José de Costa Rica, 1994). Eles trabalharam durante vários anos no Paraguay, sob os auspícios do Corpo da Paz dos EUA, trabalhando com o Projeto Inventário Biológico Nacional.

Norman informou que a dieta das jibóias inclui uma variedade de mamíferos, aves e lagartos. Ele conta a história de que uma vez, ao sul do Parque Nacional Teniente Enciso, no Chaco Seco do Paraguay, foi encontrada uma grande jibóia que tinha acabado de comer um cervo ("Mazama sp.") recém-nascido. Norman estima que esse tamanho de presa quase certamente seria o máximo que uma jibóia poderia engolir. Descreve a jibóia-constritora como uma serpente grande e pesada. Há relatos de jibóias de mais de 4 metros de comprimento em outros países, mas Norman explica que no Chaco Paraguaio nunca chegou a ver espécimens de mais de 3 metros de comprimento. Ele conclui que, na região do Chaco, a única serpente maior do que a "Boa constrictor" é a anaconda do sul ou anaconda amarela, nome científico "Eunectes notaeus".

Ele complementa que a "Eunectes notaeus" é um predador aquático, esperando à espreita aves ou pequenos mamíferos, com apenas parte da sua cabeça acima da água. Ele acrescenta a história de que uma vez viram uma anaconda amarela comer uma cegonha, "Mycteria americana", na região do Baixo Chaco perto do rio Confuso. Sobre esta outra kuriju (a anaconda amarela), ele nota que alguns biólogos têm relatado anacondas amarelas de mais de 4 metros de comprimento total nos pântanos nas redondezas de Fortín Galpón e Bahía Negra, na região do Alto Rio Paraguay. No entanto, descreve que a maioria dos espécimens observados no Baixo Chaco perto de Asunción são de 2 a 3 metros de comprimento.

ANACONDAS VERDES NO PARAGUAY

Em dezembro de 2007, uma serpente de cerca de 7 metros e 90 kg foi capturada por pescadores no rio Aguaray-guasu, perto de Santa Rosa del Aguaray, Paraguay (ABC Color, 4 de janeiro de 2008), uma cidade localizada a quase 24 graus de latitude Sul. Era uma anaconda verde ou do Norte, nome científico "Eunectes murinus", conhecida no Brasil como sucuri. Em julho de 2012, outra de 5 m foi encontrada também em redes de pesca no rio Curuguaty'y, perto da Colonia Tava Jopoi, distrito de Yasy Cañy, departamento de Canindeyú, Paraguay (Lucy Aquino, comunicação pessoal, 3 de julho 2012; Última Hora, 2 de julho de 2012; Última Hora, 3 de julho de 2012), situada ainda mais para o sul, perto dos 24 graus e meio de latitude Sul. Esta espécie é conhecida por ser a maior da América do Sul e a segunda maior do mundo depois da píton reticulada ("Python reticulatis"), uma residente do Velho Mundo. Mas o fato de que sucuris sejam capturadas no Paraguay é uma raridade.

OUTROS CASOS DOCUMENTADOS

Com a ajuda de Lucy Aquino, de WWF-Paraguay, e a muito gentil atenção de Martha Motte, do Museu Nacional de História Natural do Paraguay, em San Lorenzo (que entrou em contato comigo) eu fiquei sabendo de um par de casos adicionais documentados:

1) Em fevereiro de 1981, os cientistas Norman Scott e Lee Fitzgerald, dos EUA, coletaram um espécime de "Eunectes murinus" no Parque Nacional Cerro Corá, a 3 km da administração. Este exemplar media 5,1 m de comprimento e sua pele está agora no Museu, em San Lorenzo.

2) Em Fevereiro de 1982, Lucy Aquino coletou um filhote de 0,9 m de comprimento, também no Parque Nacional Cerro Corá, no Amambay, perto do quartel-general militar. Este pequeno exemplar é preservado num frasco com formol no Museu, em San Lorenzo.

Existe uma boa documentação sobre esses dois casos, incluindo cadernos de campo. Eu tive a oportunidade de ver ambos os exemplares, e também comuniquei-me pessoalmente com todos esses pesquisadores. O Dr. Fitzgerald diz que o espécime coletado por eles foi o primeiro caso no Paraguay. O Dr. Scott explica que eles soltaram a sucuri de 66 kg de volta para onde eles a encontraram, mas, infelizmente, apenas um par de dias depois, um caçador a matou.

3) Além disso, Martha Motte e eu detectamos que existe uma pele de um terceiro exemplar nos gabinetes do Museu. Este exemplar é ainda mais impressionante, com cerca de 6 m. Surpreendentemente não há documentação alguma sobre o mesmo, mas indagando no Museu, o Sr. Milcíades Valdez se aproximou de nós e disse-nos que ele tinha trazido esse exemplar desde o Amambay no começo do anos 80. Naquele tempo, estando ele na capital, foi ordenado pelo então ministro da Agricultura e Pecuária para ir lá e investigar uma notícia que estava circulando de que alguns pescadores haviam matado "um monstro" no rio Aquidabán. Provou ser uma "Eunectes murinus", e sua pele recuperada é a que foi redescoberta no Museu.

CASOS PROVÁVEIS

Por outro lado, indagando no Jardim Botânico e Zoológico de Asunción, consegui identificar mais exemplares, mas não há documentação sobre eles e os funcionários têm lembranças vagas ou contraditórias sobre os acontecimentos:

a) Há uma enorme pele em exposição no Museu de História Natural e Indigenista e Herbário (dentro do recinto do Botânico), que segundo o taxidermista da instituição é de 6,25 m de comprimento. Está em estado regular de conservação, mas pelo que pude ver é uma "Eunectes murinus". Não há qualquer documentação, e eu também não consegui encontrar nenhuma testemunha de primeira mão sobre a sua origem (especialmente se ela foi encontrada no Paraguay ou trazida do exterior), mas, aparentemente, tem estado lá desde há mais de 20 anos.

b) Existem três exemplares de filhotes de "Eunectes murinus" no Museu no Botânico, todo eles embalsamados, que segundo o taxidermista são filhotes de um animal que viveu no Zoológico de Asunción no final da década de 1970. A origem e o destino da mãe sucuri não pôde ser confirmada, mas sabe-se que a pele exposta não é dela.

c) O Dr. Carlos Britos, veterinário do Zoológico, relata que, em 2005, veio um exemplar juvenil de "Eunectes murinus", de uns dois metros, proveniente de Laguna Blanca, San Pedro, em muito mau estado. Infelizmente a pele não foi preservada e o Dr. Britos não conseguiu me fornecer nenhuma documentação ao respeito.

Esta última história coincide com uma reportagem publicada no jornal ABC Color, de 21 de março, em que o correspondente naquela região fala de uma sucuri capturada em Laguna Blanca. Uma fotografia parece confirmar a espécie identificada pelo Dr. Britos.

UMA RARIDADE NO PARAGUAY

O taxidermista do Museu insiste que a sucuri é nativa do Brasil e não pertence à fauna do Paraguay, embora a identificação dos indivíduos expostos não são a sua especialidade. O único documento que eu pude encontrar sobre "Eunectes murinus" no Zoológico de Asunción é um inventário de há mais de 10 anos de espécimens vivos que tinham na época, que incluia uma "Eunectes murinus" mas deixava-se claro que sua origem era o Brasil.

Martha Motte fala sobre que a situação da "Eunectes murinus" no Paraguay poderia ser classificada como de "em perigo crítico de extinção".

Norman Scott lembra que o habitat natural ao longo do rio Paraná está hoje extraordinariamente destruído.

Sobre o tema da mbói jagua, não há consenso sobre se o termo deve ser aplicado ou não para a sucuri, como explicado no meu artigo "Três interpretações para a serpente 'mbói jagua'". Alguns especialistas insistem em que a mbói jagua é um animal mitológico, como afirmado por etnolinguistas como León Cadogan e os editores do dicionário guarani de Olga de Maldonado.

É uma boa notícia que continuam a ser encontradas sucuris em latitudes tão ao Sul. O que não é uma boa notícia é que há pessoas que, por ignorância ou ganância, tentam comercializá-las. Nós não podemos nos dar ao luxo de eliminar destas regiões uma espécie tão fabulosa.

A. L.

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Publicado originalmente no jornal ABC Color, em 6 de janeiro de 2008. Fotografia: A anaconda verde, anaconda do Norte ou sucuri ("Eunectes murinus") em seu habitat preferido: a água. A maneira mais fácil de diferenciá-la da anaconda amarela ("Eunectes notaeus") é pelo desenho das suas manchas. Crédito da foto: Trisha Shears, 17 de Fevereiro de 2007. Com permissão de Trisha Shears.